Outros invernos
 



Cronicas

Outros invernos

Carina Mendes


O inverno no Rio de Janeiro é aquela estação confusa, na qual ninguém sabe muito bem o que vestir. Você pode ver alguém de botas, gorro e cachecol, superestimando a real temperatura que faz lá fora, como alguém de blusa de mangas compridas ou um casaquinho leve, subestimando essa mesma temperatura; nesse último caso, é comum ver a pessoa de braços cruzados, encolhida, revelando a insuficiência da indumentária. Só sei que quando chega a dezoito graus, carioca vira picolé, e é a hora do basta, do assim não é possível. Eu tinha essa ideia do período mais frio do ano, mas ao conhecer outras cidades, percebi como o inverno é um conceito relativo.

Em Natal, no Rio Grande do Norte, por exemplo, o inverno é anacrônico, pois é sinônimo de chuva. No calendário, a estação vai de 21 de junho a 22 de setembro, assim como em todos os cantos do Brasil, mas, na prática, as chuvas que encerram o verão em março, e vão mais ou menos até o mês de maio, é que fazem o papel de inverno na capital potiguar. O termômetro, entretanto, não varia muito em relação ao verão. Assim, foi necessário me munir de guarda-chuvas, mas não de casacos. Dos poucos apetrechos de frio que eu tinha, considerando que minha situação de carioca já não demandava muitos, me desfiz em minha estada por terras nordestinas.

Já em São Paulo, assim que cheguei, meus colegas de trabalho logo me advertiram em função de minha condição de carioca: "jaqueta jeans não é casaco, Carina!". No entanto, mal sabiam eles que, depois de dois anos de nordeste, nem jaqueta jeans eu tinha mais. Então, quando chegou o inverno, entendi o que era de fato um inverno, e precisei gastar uma grana em casacos de verdade. Os dias cinza, já muito normais em São Paulo, se prolongavam infinitamente nessa estação, e as temperaturas iam lá para baixo. Nove graus no relógio de rua, pela manhã, indo para o trabalho. Na madrugada, despencava. Eu achava curioso como os ambientes fechados (meu local de trabalho, cafeterias, restaurantes), ignoravam a temperatura que fazia lá fora (nada de aquecedores) e a gente tinha que viver a rotina em casacos pesados, que imobilizavam os movimentos. Era irritante.

No ano que morei em Tivoli, na Itália, fui de fato apresentada ao inverno. Nossa, agora, sim, muito frio! Nevou uma semana antes da nossa chegada, para vocês terem uma ideia. Meu marido e meu filho ficaram decepcionados pelo nosso atraso. Chegamos em fevereiro, mais para o fim da estação, e vimos o florir da primavera, a alegria do verão, e então o retorno do inverno e sua permanência infinita. Os dias passavam pela minha janela, escuros, tristes, reclusos; observava as ruas esvaziadas, os comportamentos contidos. Ficava em minha mesa de estudos, embrulhada em uma manta de estampa de onça, somente com as mãos de fora, os dedos dançando nas teclas do computador. Sair era um sacrifício, pois eram necessárias camadas de roupa e um casacão estilo boneco Michelin para enfrentar o clima. Dava preguiça. Todo dia, mesmo modelito, a vida se repetindo em looping.

Depois dessa, achei que tinha conhecido definitivamente o inverno, daí fizemos uma viagem para Berlim, na Alemanha, no auge da estação. O frio era de cortar, a neve caía sem trégua, o cinza dos dias era denso, quase sufocava. Resolvemos conhecer Potsdam, que ficava a trinta e oito quilômetros da capital. Era impossível vagar pelas ruas, os casacos não eram suficientes. Tivemos que alternar trechos de caminhada externa com paradas estratégicas em cafeterias para devolver calor ao corpo com a ajuda dos aquecedores, chás e cafés. No entanto, como quase todo turista é tomado por aquele senso de urgência, de última oportunidade de conhecer o local que está visitando, resolvemos fazer o passeio por um dos parques da cidade. A camada de neve era espessa, a paisagem, deslumbrante, os enquadres pareciam aquelas imagens prontas para telas de fundo de computadores. Entretanto, não havia vivalma. Meu marido, que possui certa fama de pessoa localizada no mundo (pois sabe sempre onde está o norte), foi indicando o caminho. Mas a neve embaçou os seus sentidos e nos perdemos. Foi desesperador vagar sem rumo naquele cenário lindo, mas hostil. Até que depois de algumas dezenas de minutos intermináveis, identificamos uma luz que nos guiou a uma espécie de museu ou coisa que o valha perto da rodovia. Tinha café. Salvos!

Ano passado foi a vez de Cabo Frio, novamente estado do Rio de Janeiro. Mudei em fevereiro (começo a perceber um padrão) e, conforme os meses se sucederam, percebi que o sol não estava muito disposto a dar espaço para o outono, e então para o inverno. O sol aqui é daquele tipo que te faz questionar esse mundo capitalista (questionamento constante, aliás), que te obriga a assoberbar os dias em tarefas de trabalho, sobrando quase nada para a praia. O inverno passou tímido, curto, poucos dias nublados, bastante vento; mal o compreendi. Ensaquei meus casacos de verdade e os coloquei no fundo do armário. Passou primavera, verão, outono e, agora, outro inverno se aproxima. Por via das dúvidas, já separei a minha jaqueta jeans.


Carina Mendes é arquiteta e urbanista, trabalha no campo do patrimônio cultural, e é professora universitária. Fez mestrado e doutorado. Depois da imersão na escrita acadêmica, precisou respirar, mudar de ares, e resolveu navegar pela escrita criativa. Compartilha seus textos no site: http://www.formacaodeescritores.com.br/carinamendes. Participa do Curso Online de Formação de Escritores

 

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